quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

PISCICULTURA ORGÂNICA

Mônica A. M. Moura e Mello, monica_moura@aptaregional.sp.gov.br, e-------- Edmilson José Ambrosano, ambrosano@aptaregional.sp.gov.br------- APTA (Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios)------- Pólo Regional de Desenvolvimento Tecnológico do Centro Sul/SAA (Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo)------ Em dezembro de 2006 realizou-se o "V Curso de Capacitação em Agricultura Orgânica", no Pólo Regional Centro Sul/APTA/SAA, em Piracicaba. Diante da demanda levantada sobre a necessidade de um treinamento mais específico em agroecologia na região, o objetivo do curso foi capacitar os técnicos executores do "Programa Estadual de Microbacias Hidrológicas (PEMH)", do Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR), nas práticas mais avançadas sobre tecnologia aplicada em agroecossistemas conduzidos de forma orgânica para, no futuro, garantir uma orientação adequada aos produtores envolvidos. Participaram, ainda, técnicos da Prefeitura Municipal de Piracicaba e do Pólo Centro Sul e produtores rurais. O evento foi coordenado por Gerson Antonio Groppo (EDR) e pelos pesquisadores Edmilson José Ambrosano e Nivaldo Guirado (APTA Regional Centro Sul).------- Abordaram-se os seguintes temas: adubação orgânica e adubos verdes, criação do peixe orgânico, homeopatia vegetal, compostagem, manejo de plantas espontâneas, cultivo de plantas aromáticas e medicinais e extratos vegetais no controle de pragas e doenças. Assim como a convencional, a piscicultura orgânica tem importância econômica na medida em que gera renda para o meio rural, fixa o homem no campo, produz proteína animal de alta qualidade e com baixo custo, gera divisas através da exportação e auxilia no manejo ambiental de outras culturas. A agricultura orgânica cresce no mundo, em média, 20% ao ano. O Brasil é hoje o sexto produtor mundial neste segmento, ficando atrás de países como a Austrália, China, Argentina, Itália e Estados Unidos. Devido à maior conscientização do consumidor sobre a importância da utilização de técnicas de produção agrícola ambien talmente sustentáveis, vem aumentando a demanda por peixes criados com critérios de aqüicultura orgânica.------- Entretanto, a maior dificuldade para a expansão do setor traduz-se na obtenção de uma "ração orgânica" em escala comercial. Segundo o segmento industrial produtor de dietas animais, se hoje já é difícil assegurar um suprimento adequado de matéria-prima comprovadamente isenta de produtos geneticamente modificados, essa dificuldade é ainda maior quando se fala no fornecimento de ingredientes produzidos dentro dos critérios estabelecidos para a agricultura orgânica. É importante lembrar também que a matéria-prima orgânica tem um custo maior que a convencional, elevando o valor final das dietas comerciais e, conseqüentemente, dos organismos produzidos.------ A piscicultura orgânica é a criação de peixes com alimentos naturais, por exemplo: plâncton, nécton, bentos ou vegetais, ou com ração "orgânica", utilizando preferencialmente alevinos ou pós-larvas de cultivos "orgânicos". A normatização da atividade está inserida na Lei no 10.831/03 e Instrução Normativa no16/04 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Segundo documentos, esse tipo de produção deve conservar o ambiente e proteger os consumidores, proibindo-se o uso de terapêuticos sintéticos, produtos químicos e organismos geneticamente modificados. Esse seria o primeiro entrave para o cultivo do carro- chefe da piscicultura paulista, a tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), que hoje é produzida, em quase 100% dos casos, a partir de hibridização. Porém, segundo a Divisão de Inspeção de Pescado e Derivados (DIPES), do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA), da Secretaria de Defesa Agropecuária/MAPA, quando tal processo ocorre através de um meio natural, não há impedimento nessa norma. Quando existir um obstáculo tecnológico, poderão ser usados métodos de reprodução que empreguem produtos não sintéticos, como é o caso da hipófise para peixes reofílicos.----- Figura 1. Tilápia-do-Nilo (Oreochromis niloticus), o carro-chefe da piscicultura paulista-----
Respeitando-se os princípios da piscicultura orgânica, as unidades de produção não podem afetar o ambiente, sendo proibida a utilização de áreas de repouso de aves, migração e desova de peixes, manguezais etc., e devem estar a uma distância segura de fontes poluidoras e de outras unidades de produção convencional. O cultivo deve ser baseado nas condições naturais dos recursos hídricos, não se permitindo o uso de aeradores ou injeção de oxigênio na água com a finalidade de aumentar a capacidade de suporte do ambiente. Preferencialmente, a água que abastece o sistema deve ser originária de nascentes da propriedade ou de microbacias cobertas por vegetação nativa ou onde se pratique a agricultura orgânica.----- A produtividade natural pode ser aumentada com o emprego de fertilizantes orgânicos previamente aprovados; na sua ausência, é permitida a utilização de fertilizantes alternativos (por ex., compostos, húmus de minhoca etc.), preferencialmente de operações de cultivo extensivo, ou ainda adubos orgânicos curtidos (por ex., cama de frango alimentado com ração isenta de antibióticos ou resíduos de suínos ou bovinos "orgânicos"). Daí a possibilidade de integração da piscicultura orgânica com outras culturas, como a de suínos, cujo aproveitamento de resíduos se configura como uma alternativa para a fertilização de tanques de piscicultura orgânica. Para ser viável, é essencial que esse consórcio ocorra em regiões de concentração suinícola.------ Como principais fatores limitantes pode-se citar a não aceitação pelo consumidor, a inexistência de tratamentos adaptados para os efluentes e a ausência de um sistema de "Boas Práticas de Manejo (BPMs)" que garanta sustentabilidade ao sistema, bem como de informações sobre os impactos dessa atividade. O consórcio será viável a partir da realização de análises físicas, químicas e microbiológicas da água de cultivo e dos peixes produzidos, garantindo-se seus enquadramentos nos padrões estabelecidos pela "Divisão Nacional de Vigilância Sanitária de Alimentos (DINAL)" e pela Resolução CONAMA no 357, de 2005, que classifica os sistemas hídricos de acordo com seus usos.------ Deve-se priorizar o bem-estar das espécies cultivadas em todas as fases de produção e abate. Em caso de necessidade de tratamento, deve-se empregar, inicialmente, métodos naturais (por exemplo: controle físico - secagem, frio; uso de compostos inorgânicos atóxicos - sal, cal virgem; compostos orgânicos naturais atóxicos - ácido cítrico; substâncias naturais vegetais - alho, cravo, neem; e homeopatia de pó-de-pedra). O estoque deve ser originário de empreendimentos orgânicos; na ausência de comprovação da origem, permite-se a introdução de sementes convencionais, desde que elas adquiram pelo menos 90% de sua biomassa em regime orgânico.------ Sempre que possível deve-se promover o policultivo, que beneficia os indivíduos produzidos e promove a ciclagem de nutrientes, possibilitando a ocupação de diversos nichos no ambiente aquático. Um exemplo deste sistema é a criação da carpa-comum (Cyprinus carpio), das carpas chinesas: prateada (Hypophthalmichthys molitrix), capim (Ctenopharyngodon idella) e cabeça-grande (Aristichthys nobilis), e do jundiá (Rhamdia quelen) em consórcio com a rizicultura. Ele é muito interessante na medida em que suprime/reduz a dependência da utilização de agroquímicos na produção do arroz irrigado. A piscicultura entra como atividade paralela, elevando a rentabilidade da rizicultura, pois os peixes substituem as máquinas no preparo do solo, reduzindo em 40% a 50% os custos de produção; otimizando o uso do solo e da água, inclusive na entressafra do cereal, gerando receita em torno de R$ 3 mil/ha de espelho d'água, com uma produtividade em torno de 400 kg peixe/ha;e finalmente agregando valor de 10% a 15% ao arroz, que é vendido como orgânico. Como fator limitante cita-se a falta de informação para a adoção do sistema, principalmente no que diz respeito à densidade e época de estocagem dos animais, e de padronização dos tabuleiros de arroz, o que muitas vezes impede sua drenagem completa e, deste modo, a despesca total dos peixes.---------- Figura 2. Espécies que podem ser utilizadas em sistema de policultivo consorciado com a rizicultura. a) Carpa comum (Cyprinus carpio); b) Carpa prateada (Hypophthalmichthys molitrix); c) Carpa capim (Ctenopharyngodon idella); d) Carpa cabeça grande (Aristichthys nobilis); e) Jundiá (Rhamdia quelen)
A exclusão de competidores/predadores deve ser feita sem causar injúrias aos mesmos, empregando-se telas, armadilhas etc. A alimentação deve suprir as necessidades dos organismos cultivados, evitando-se o desperdício. No caso de se empregarem rações certificadas, não se deve usar ingredientes apropriados para o consumo humano direto e ingredientes de origem animal da mesma espécie cultivada. O processamento e/ou armazenamento do pescado devem ser realizados somente em indústrias certificadas, não se permitindo o uso de conservantes sintéticos.------- Atenção especial é dada à geração de resíduos, também um grave problema para o sistema convencional e para a pesca extrativista. Recomenda-se que os subprodutos sejam reutilizados; se não for possível, deve-se descartá-los responsavelmente. É necessário também procurar reduzir o volume de efluentes gerados. Uma alternativa é a prática da recirculação da água, hoje restrita a universidades e centros de pesquisa, devido a seu alto custo, que torna proibitivo o valor do pescado produzido comercialmente.------- No caso de produção paralela orgânica/convencional, há um prazo máximo para a propriedade realizar a conversão. Todo pessoal envolvido na produção, processamento e comercialização devem receber treinamento sobre a fisiologia do cultivo orgânico. É um ponto essencial para a manutenção das características que envolvem este tipo de produção, uma vez que somente o produtor/funcionário engajado na causa "orgânica" será seu multiplicador. Neste caso deve-se também seguir as BPMs na segurança dos trabalhadores, envolvendo processos de treinamento, manutenção de máquinas agrícolas e sinalização dos riscos, bem como a correta disposição final de combustíveis e resíduos sólidos e a infra-estrutura para prevenir situações de emergência.------- A primeira conversão da aquicultura brasileira do sistema convencional para o orgânico aconteceu na indústria PRIMAR, localizada no Sítio São Félix, às margens do estuário da lagoa de Guaraíras, litoral oriental do estado do Rio Grande do Norte e pioneira no cultivo industrial do camarão marinho Litopenaeus vannamei. Anteriormente, a empresa praticava o monocultivo dessa espécie em tanques escavados. O processo de conversão durou 1,5 ano (um ano para as rações e mais seis meses para prevenir os efeitos de terapêuticos e produtos químicos). Atualmente, é realizado o policultivo sem drenagem dos tanques, permitindo a manutenção de sua produtividade natural. Os principais desafios econômicos para compensar a redução da produtividade do sistema, as despesas físicas e de pesquisa e desenvolvimento para introdução de novas espécies e a alteração dos sistemas de cultivo foram compensados pelo preço diferenciado agregado ao produto orgânico.------- ---Figura 3. Camarão marinho Litopenaeus vannamei-----
Em 2005, a PRIMAR lançou na BioFach América Latina (principal evento do setor orgânico na América Latina, onde os profissionais encontraram o "marketplace" ideal para promover seus produtos e serviços) a ostra orgânica, a primeira no mundo produzida com certificação internacional. Diante do exposto, conclui-se que a piscicultura orgânica se caracteriza como importante nicho de mercado, com grandes chances de expansão, uma vez que cresce continuamente o interesse mundial pelo pescado produzido sem compostos sintéticos ou dietas fabricadas a partir de matéria-prima geneticamente modificada.-------- Tanto o consumidor final quanto as redes de distribuição de alimentos têm sido responsáveis pelo aumento dessa demanda. Apesar de se constituir em um sistema ecologicamente correto e com um valor agregado superior ao do produto convencional, a piscicultura orgânica ainda esbarra em barreiras dentro de sua própria cadeia produtiva, como a ausência de alimento orgânico produzido em escala comercial e de um volume constante de pescado que abasteça as plantas processadoras certificadas, o que mantém ainda essa proposta em um estágio embrionário.------ As imagens dos peixes apresentadas foram obtidas a partir do site: http://www.fishbase.org/home.htm; a do camarão Litopenaeus vannamei, do site: http://www.broodstock.com/close0.jpg. Os selos das certificadoras orgânicas foram extraídos dos sites: www.kanoa.com.br/port/certificacoes.htm e www.chaovivo.com.br. As imagens "Tilápia orgânica" e "Produção de tilápia", a partir do site: ------ www.aquaculture.co.il/.../S_organic_Tilapia.html------ -----Para saber mais, consulte:----- - Criação Racional de Peixes: http://www.ceplac.gov.br/radar/Artigos/artigo14.htm------- - Manual sobre Manejo de Reservatórios para a Produção de Peixes. FAO/ONU 1988:----- http://www.fao.org/docrep/field/003/AB486P/AB486P00.htmffTOC----- - Revista Panorama da Aqüicultura: http://www.panoramadaaquicultura.com.br------ - Arroz brasileiro :----- http://www.arroz.agr.br/site/index.ph

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